30 anos depois, incêndio da Vila Rubim é recontado por quem sofreu e atuou em um dos episódios mais lembrados da história do ES

  • 01/07/2024
(Foto: Reprodução)
Principal mercado popular de Vitória pegou fogo no dia 1° de julho de 1994 e deixou quatro mortos e 35 feridos. g1 voltou à Vila Rubim e ouviu testemunhas e combatentes do incêndio. TV Gazeta 40 anos: Incêndio na Vila Rubim em 1994 Era pouco mais de meio-dia quando o estourar das bombinhas de pólvora, brincadeira típica dos jovens na década de 90, foi crescendo de uma maneira nunca ouvida na Vila Rubim, principal mercado popular de Vitória. O barulho foi seguido de uma grande explosão, que resultou no mais lembrado incêndio do Espírito Santo, no dia 1° de julho de 1994, que, em 2024, completa 30 anos. Vinte toneladas de fogos de artifício explodiram. Quatro pessoas morreram e 35 ficaram feridas. O g1 voltou à Vila Rubim e ouviu testemunhas e combatentes do incêndio. Até hoje, memórias da tragédia são contadas na região. De acordo com documentos e depoimentos da época, o incêndio começou na região da Casa Sempre Rica, que comercializava fogos de artifício, e Casa dos Milagres, de artigos religiosos, entre a Rua Orlando Rocha e Avenida Elias Miguel. Quando o fogo atingiu os artigos pirotécnicos, eles começaram a explodir e contribuíram para que o problema se expandisse do primeiro para os três grandes galpões que existiam formavam o pólo comércio naquele ano. Incêndio na Vila Rubim em Vitória completa 30 anos em 2024. Espírito Santo Arquivo CBMES Para os Bombeiros, apesar de não ter sido o mais longo ou mais extenso incêndio da história do estado, dificuldades em relação ao material, quantidade de inflamáveis, acesso a região e problemas no abastecimento de água, além de ser um local de grande circulação de pessoas, fazem a ocorrência se destacar de outras. Lembranças de como tudo começou Initial plugin text Por causa do horário, muitos almoços não aconteceram naquele dia, como o do superintendente da Organização Social do Centro Histórico de Vitória (OSCHV), Renato Freixo, na época com 28 anos. "Eu estava em um restaurante que costumava ir, o prato foi colocado prontinho na minha frente, e ratos apareceram correndo de repente, fugindo. Eu vi, ninguém me falou, eles sentiram, acho que foi tipo uma premonição. Eu estava ouvindo os barulhos das bombinhas, muito mesmo, pipocando. Nem cheguei a colocar o garfo na boca, quando veio aquela explosão muito forte", lembrou. O açougueiro Luciano Pereira de Melo, hoje com 49 anos, pode ter sido um dos últimos clientes atendidos na Casa Sempre Rica. "Quando eu saí da loja, virando a esquina, o foguetório começou. Eu tinha acabado de comprar bombinhas, era festa junina. Foi muita tensão muita correria. No prédio onde tinha a confecção que eu trabalhava, os vidros começaram a quebrar e a cair em cima do povo". Enquanto isso, o comerciante Roque Rasseli, então dono de uma loja de artigos religiosos na Vila, estava almoçando em casa, a cerca de 7km do local, com a esposa Luzia, quando começou a ouvir sirenes de carros de bombeiros passando. Pertencente a uma família tradicional no comércio, com irmãos e tios também com lojas na região atingida pelo fogo, o casal só não estava na Casa dos Milagres porque o sobrinho Alex Sandro Matos, de 19 anos, e o funcionário José Deorce Batista (Zito), assumiram os cuidados naquele horário. Os dois não sobreviveram. "O Alex veio mais cedo do colégio e falou 'tio, vai que eu vou ficar no seu lugar'. Aí eu saí para almoçar. [...] De repente o telefone tocou lá em casa, e o pessoal avisou que o mercado estava pegando fogo. Largamos tudo, pegamos o carro, mas já na Avenida Beira-Mar, com o trânsito parado, vi aquele tubo de fumaça subindo... Na hora eu pensei 'nossa, perdi minha família', disse Roque, com 38 anos em 1994. No Quartel dos Bombeiros, o Coronel Marcelo D'Isep, com 29 anos, em 1994, tinha acabado de assumir o plantão, quando veio uma ligação avisando sobre o incêndio e logo depois a mesma mensagem também foi reforçada pelo bip dos peritos. Ele foi um dos primeiros a chegar à Vila Rubim, e se lembra que, de imediato, foram feitas as linhas de combate ao incêndio e isolamento da área. "Era muito fogo, muito estilhaço, veículos pegando em chamas, muita gente correndo e trabalhando. O trânsito estava um caos. Para a gente chegar, tivemos que passar por Maruípe e Santo Antônio, dando a volta pela ilha de Vitória. Um cenário de guerra, muita coisa acontecendo e suspeita de mortos”, relatou. Com a proporção que o incêndio tomou, toda a equipe dos Bombeiros precisou ser mobilizada para a ocorrência, desde o militar mais novo ao então comandante-geral, Mário Natali. "Quando houve o fato, nós estávamos reunidos para comemorar o Dia do Bombeiro Brasileiro, que seria 2 de julho. Imediatamente cancelamos as atividades e voltamos à nossa missão. 'Vidas alheias e riquezas a salvar', esse é o nosso lema. E aí, quem estava de serviço e quem não estava, todos vieram pra cá. tinha gente passando por aqui, pagando conta, e parou para ajudar”, lembrou Natali. O incêndio Incêndio na Vila Rubim em Vitória completa 30 anos em 2024. Espírito Santo Arquivo CBMES Além de Alex Sandro e Zito, sobrinho e funcionário de Roque Rasseli, encontrados sob escombros na Casa dos Milagres; morreram também Diógenes Leite da Silva, 23 anos, balconista da Casa Sempre Rica; e Maria da Penha de Jesus, dona de casa que passava de carro pelo local no momento da explosão. Ela teve 80% do corpo queimado e ficou oito dias internada, mas não resistiu. As investigações feitas na ocasião concluíram que o incêndio “ocorreu após a explosão de fogos de artifício que, liberando grande quantidade de calor, provocou a queima de materiais combustíveis em dois galpões adjacentes ao local de origem”. De acordo com o Corpo de Bombeiros, a zona de origem foi a loja "Casa Sempre Rica", onde, além do comércio, ocorria a estocagem e a manipulação de fogos de artifício e pólvora. A corporação apontou que o estabelecimento não era licenciado para essa finalidade, a era licença para o comércio de artigos religiosos. Após a explosão, o fogo se propagou muito rapidamente. A onda de calor foi tão forte que incendiou os carros que passavam pela Avenida Elias Miguel. Na medida em que os fogos de artifício foram sendo acionados, o material incandescente começou a cair nos telhados do galpão onde as as lojas citadas estavam e depois nos galpões no outro lado da rua. Renato Freixo pontuou que em 1994, a configuração do local não se parecia com a atual. Três grandes espaços eram divididos em lojas e boxes de diferentes tamanhos, alguns sem espaçamento entre si. Quatro peritos trabalharam em um laudo sobre o caso, incluindo D’Isep. Problemas elétricos ou a explosão de um transformador são hipóteses levantadas por comerciantes da região até hoje, mas, segundo ele, são opções descartadas. "Foi um laudo bastante trabalhoso, detalhado. Apontamos o incêndio provocado por negligência ou imprudência de alguém, ação pessoal. [...] Por exemplo, uma prática dos funcionários era esquentar marmita ou fazer café com mergulhão no meio da loja, onde tinha pólvora, onde tinha material espalhado. Um mergulhão esquecido aceso, poderia secar, provocar curto. São hipóteses. E era hora do almoço. Descartamos a parte elétrica, essa hipótese não foi à frente”, explicou. Mangueiras foram atravessadas ao longo da Avenida Elias Miguel, aproveitando um manancial de água encontrado e um centro de comando do Quartel General foi montado na Vila Rubim. “As equipes de combate começaram a chegar por volta de 12h40, 13h. O trabalho de extinção do fogo durou a tarde toda e o rescaldo avançou pela noite e madrugada até a gente estabelecer a condição de segurança”, contou Natali. Até os salgadinhos separados para a confraternização que não aconteceu, no final do dia, foram levados ao local para alimentar quem estava trabalhando. Fogos em excesso e armazenados irregularmente Incêndio na Vila Rubim em Vitória completa 30 anos em 2024. Espírito Santo TV Gazeta Coronel D'Isep chamou a atenção sobre a conjuntura daquele mês de julho, em que eventos importantes aconteceram quase que simultaneamente. "Três fatores que contribuíram: época de festa junina, copa do mundo e eleições. Tradicionalmente, as pessoas gostam de usar fogos de artifício para fazer comemorações, antes muito mais do que atualmente, inclusive. A região vendia muito desse material, todo mundo vendia, mas esses eventos contribuíram para ter um estoque ainda maior e com armazenamento inadequado”, enumerou. Segundo o coronel, além dos fogos de artifício que existiam nas lojas em grande quantidade para venda, caminhões ficavam estacionados na rua, com o material, como uma espécie de almoxarifado externo para repor os estabelecimentos. O superintendente Renato Freixo, também se lembrou da existência de caminhões estacionados na rua, lotados de fogos, e classificou a tragédia como 'anunciada'. “Era um momento muito crítico. Muita lojinha próxima uma da outra, box 2mx2m, muito material inflamável, explosivos, junto com vime, com palha era pedir pra um acidente. Pelo que a gente sabe, algumas instituições foram notificadas na época, receberam cartas alertando sobre o risco. Mas até loja que nem vendia fogos estava vendendo devido a demanda da época”, disse Freixo. Ambulâncias de todos os hospitais de Vitória enviadas para a ocorrência Movimento de ambulâncias foi intenso na região ao longo de toda a tarde do 1° de julho de 1994. TV Gazeta O trânsito na região central deda capital ficou completamente parado por algumas horas. Motoristas que estavam mais próximos e quem morava e trabalhava na região acabou sendo expectador da ocorrência. Curiosos foram para o local mesmo a pé. Mas houve também ajuda e solidariedade. Os hidrantes da região estavam secos e a proximidade com o porto de Vitória ajudou a garantir uma das principais fontes de abastecimento de água. Empresas da construção civil e siderurgia também enviaram carros-pipa e tratores para ajudar com os escombros. Incêndio na Vila Rubim em Vitória completa 30 anos em 2024. Arquivo CBMES Todos os hospitais da cidade enviaram ambulâncias para o local. Trabalhadores da própria Vila Rubim auxiliaram no isolamento e na remoção de cargas e mercadorias de lojas que poderiam ser atingidas, para evitar prejuízos maiores. “Era uma época diferente de hoje. A nossa farda era de terbrim, manga curta, não era adequada. Estávamos no processo de troca para a manga comprida. De maneira geral faltavam equipamentos de proteção individual (EPI). Solidariedade foi fundamental. Enfermeiras da Santa Casa desceram para ajudar na ocorrência, e elas limpavam os nossos olhos, não tinha óculos ou proteção para o rosto, é até emocionante lembrar disso”, falou D'Isep. 1° dia do Plano Real Máquinas que remarcavam os preços dos produtos nos supermercados foi aposentada ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO No dia 1° de julho de 1994 todas as atenções estavam voltadas para a implementação do Plano Real. ‘Aposentar’ o Cruzeiro Real, após um período de superinflação e instabilidade econômica, gerou expectativa na população. “Naquela manhã a gente chegou na loja cedo, o Real começava e todo mundo estava ocupado com isso, na missão de trocar as etiquetas, os preços. E a Vila Rubim estava cheia desde cedo, comerciantes a postos, população tirando dúvida, pagando conta”, lembrou Freixo. A maioria das pessoas abordadas na Vila Rubim durante a reportagem atrelou uma lembrança à outra, perguntadas se se lembravam do incêndio, a resposta já começava com “Foi no dia do Plano Real…”. Problema se repetiu ao longo dos anos Incêndio atinge região da Vila Rubim, em Vitória Desde 1994, além do incêndio iniciado na Casa Sempre Rica, a TV Gazeta registrou pelo menos dez outras ocorrências, de menor proporção, na Vila Rubim. Foram incêndios em comércios, como uma loja de couros (2019), galpão de loja de tecidos e plásticos (2010), fábrica de cuecas (2004), entre outros. Os motivos foram desde problemas em relógios de energia, ação criminosa e falha humana e causas não identificadas. LEIA TAMBÉM: Justiça dá 30 dias para comerciantes desocuparem Mercado do Peixe da Vila Rubim, em Vitória Sobrado é destruído por incêndio na Vila Rubim Incêndio atinge região da Vila Rubim, em Vitória Há mais de uma década, o coronel Mário Natali defende a descentralização de uma unidade do Corpo de Bombeiros para o Centro de Vitória/Vila Rubim, devido à concentração de construções antigas e tipos de materiais presentes no centro histórico. “Somos uma das capitais mais antigas do Brasil, vivemos em sítio histórico. Temos um porto pujante, estamos presos entre uma encosta e o mar, com duas vias principais apenas, e isso traz problema grave de deslocamento, trazendo consequências tristes para um caso de emergência. As construções são muito antigas, sem espaçamento devido, materiais ainda inadequados, mesmo após melhorias e adequação”, explicou Natali. Incêndio na Vila Rubim em Vitória completa 30 anos em 2024. Espírito Santo Em Movimento/TV Gazeta A região do atual Mercado da Vila Rubim começou a ser reconstruída cerca de dois anos depois, em outros moldes, com avanços estruturais e seguindo regras relacionadas, por exemplo, a materiais e distância entre os estabelecimentos. Novos hidrantes e mangueiras foram instalados e a distribuição e renovação de alvarás passou a ser mais criteriosa, segundo os comerciantes. Hidrante na Vila Rubim. Bernardo Bracony Comércio de fogos continua na família As regras endureceram também para o comércio de fogos de artifício. Atualmente, apenas duas lojas estão sinalizadas na Vila Rubim como locais de venda desse tipo de produto. Uma delas, é do Zélio Muratóri, filho do dono da Casa Sempre Rica. Com apenas 12 anos na época, o comerciante não tinha envolvimento no funcionamento da loja do pai, mas também relatou acreditar que o incêndio era uma tragédia prevista. “Era uma tragédia anunciada e escrita, isso era dito por muitos comerciantes. A quantidade de fogos estocados era muito grande”. Fogos de artifício vendidos na Vila Rubim, em Vitória. Bernardo Bracony Perguntado se alguém foi responsabilizado ou se alguma família recebeu indenização, Zélio disse acreditar que não. “Até onde eu sei, não. Eu acho que não, porque se tivesse sido a gente saberia. [...] Meu pai recebeu muitos processos, como eu tinha 12 anos, não acompanhei, mas sei que ele sofreu muito. É uma memória trágica, triste, sobre onde começou, onde foi um incêndio, a gente não tem um laudo final, foi triste pra ele ver um pai de família, um provedor, perder tudo em minutos. Não adianta a gente ficar culpando terceiros, meu pai só levantou a cabeça ... vamos voltar a trabalhar e tomar mais cuidados”, falou Zélio, lembrando do pai que já faleceu. Segundo ele, em sua loja não existem fogos de artifício estocados, além da quantidade à mostra nas prateleiras. “A lei mais rígida veio em 2010, mudou as regras para a comercialização de fogos, estocagem e manuseio, a gente já vinha se adequando e não foi diferente com essa mudança. Hoje não existe mais estoque em loja, a gente tem um local reservado, que é na área rural, para estocar, as instalações blindadas, com paredes para não deixar fogo passar para os vizinhos”, contou. Incêndio na Vila Rubim em Vitória completa 30 anos em 2024. Espírito Santo Ana Elisa Bassi De acordo com levantamento da OSCHV, a Vila Rubim possui atualmente 425 estabelecimentos comerciais, sendo cerca de 180 concentradas na região do mercado. O g1 perguntou à Prefeitura de Vitória quantas lojas vendiam fogos de artifício na Vila Rubim em 1994, quantas lojas são autorizadas a vender fogos de artifício atualmente, se o alvará liberado pela prefeitura permite apenas a venda e quais são as regras para estoque de produtos, pólvora e produção de fogos, mas não houve retorno para esses questionamento. Vídeos: tudo sobre o Espírito Santo Veja o plantão de últimas notícias do g1 Espírito Santo

FONTE: https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2024/07/01/30-anos-depois-incendio-da-vila-rubim-e-recontado-por-quem-sofreu-e-atuou-em-um-dos-episodios-mais-lembrados-da-historia-do-es.ghtml


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